Princípios gerais dos contratos no Código de Defesa do Consumidor

Studying-Online-43955290O Código de Defesa do Consumidor trouxe diversas mudanças à ordem jurídica.

Em consonância com a Constituição Federal e o Código Civil, introduziu princípios gerais aplicáveis nas relações consumeristas de modo a proteger o consumidor e estabelecer limites.

RESUMO:

O Código de Defesa do Consumidor trouxe diversas mudanças à ordem jurídica. Em consonância com a Constituição Federal e o Código Civil, introduziu princípios gerais aplicáveis nas relações consumeristas de modo a proteger o consumidor e estabelecer limites razoáveis entre contratante e contratado. Boa-fé, obrigatoriedade da proposta, intangibilidade das convenções e onerosidade excessiva são alguns dos princípios consagrados no Direito do Consumidor bem como no Direito Civil.

 

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXIII, afirma que “O Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor.”. Cumprindo a determinação consagrada na CF, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) entra em vigor em março de 1991. Ocorre que, com a evolução das relações sociais e de consumo, as diversas áreas do direito e leis esparsas que tratavam do assunto se mostraram insuficientes para fins de regulação consumerista. O novo código repercutiu na área penal, administrativa, comercial, civil e outras, trazendo diversas mudanças à ordem jurídica do país.

Além do mencionado, as mudanças também alcançaram os contratos. Isso porque no que tange à interpretação, passam a ser analisados sob a perspectiva dos princípios gerais estabelecidos pelo CDC, buscando sempre a proteção da parte mais vulnerável em um contrato consumerista, que é o consumidor. Tais princípios são importantes para a ordem jurídica, porque são como uma base sólida de uma estrutura que engloba as leis e sua aplicação.

 

2 PRINCÍPIOS GERAIS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS

Os princípios gerais estabelecidos no CDC para proteção do consumidor são indispensáveis para orientar a criação e celebração dos contratos, bem como para sua interpretação nos casos em que se busca intervenção judicial. Segundo Carlos Roberto Gonçalves, compõem esse rol de princípios: o princípio geral da boa-fé; da obrigatoriedade da proposta; da intangibilidade das convenções e no capítulo referente às práticas abusivas o princípio da onerosidade excessiva.[1]

2.1 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

No Código de Defesa do Consumidor o princípio da boa–fé aparece no art. 51, inciso IV, onde, no caput do artigo, o legislador afirma que são nulas de pleno direito as cláusulas relativas ao fornecimento de produtos e serviços que “IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”. Esse princípio, além de estar relacionado à defesa do consumidor é considerado norteador para o direito civil e aplicável em todos os contratos, consumeristas ou não.

A boa-fé é definida por Cláudia Lima Marques como:

“uma atuação “refletida”, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando seus interesses legítimos, seus direitos, respeitando os fins do contrato, agindo com lealdade, sem abuso da posição contratual, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, com cuidado com a pessoa e o patrimônio do parceiro contratual cooperando para atingir o bom fim das obrigações, isto é, o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses legítimos e contribuindo para a segurança das relações negociais… é um standard de comportamento leal, com base na confiança.”.[2]

Isso significa dizer que a boa-fé exige algumas condutas dos contratantes ainda que não previstas em contrato, que revelam lealdade, respeito ao patrimônio e integridade física e moral, fomentando a realização da expectativa do contrato. O fornecedor tem que estar especialmente atento a essas condutas.

Além disso, a doutrina divide a boa-fé em objetiva e subjetiva, sendo essa a consciência que um comportamento é correto conforme o direito e aquela uma que regra que impõe determinado comportamento.

2.2 PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA PROPOSTA

O princípio da obrigatoriedade da proposta se revela no art. 51, inciso VIII (51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor.), e está presente no momento da formação dos contratos, mais especificamente na fase da proposta, também chamada de policitação. Carlos Roberto Gonçalves, citando Maria Helena Diniz e Orlando Gomes, afirma que proposta é “uma declaração receptícia de vontade, dirigida por uma pessoa a outra (com quem pretende celebrar um contrato), por força da qual a primeira manifesta sua intenção de se considerar vinculada, se a outra parte aceitar”.[3]

O Código de Defesa do Consumidor trata da policitação nas relações de consumo nos artigos 30 a 35. Assim como exige o Código Civil, aqui a oferta deve ser clara, séria e precisa, contudo, a distinção se firma na característica das propostas consumeristas, que é a indeterminação dos indivíduos a que a oferta é destinada, o que gera contratos em massa.

No momento em que a oferta é veiculada de forma clara e objetiva ou nos casos de proposta aberta ao público em que se expõe determinada mercadoria na vitrine e o consumidor toma conhecimento das condições e serviços ofertados, o fornecedor está obrigado a realizar a expectativa do contrato; eis o caráter vinculante da proposta no Código de Defesa do Consumidor. Além disso, cabe ao proponente estabelecer os limites do contrato, como limite de estoque e afins, sob pena de ser responsabilizado por suas omissões, conforme previsto no art. 35 do CDC, através da seguinte redação:

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

A apresentação também envolve transparência quanto às características e quantidade dos produtos.

2.2 PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DAS CONVENÇÕES

Também denominado princípio da obrigatoriedade das convenções, é a representação da força vinculante dos contratos e é manifestado no CDC como uma proteção direta ao consumidor contra possíveis abusos do fornecedor. O art. 51 do CDC, em seus incisos X, XI e XIII, demonstra que é vedado ao fornecedor estabelecer cláusulas que: a) permitam ao fornecedor variação de preço unilateral; b) autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente sem que igual direito seja conferido ao consumidor; c) autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração.

Todas as proibições supramencionadas revelam que os ajustes feitos no momento da celebração do contrato devem necessariamente ser cumpridos, uma vez que o ato negocial é intangível e não pode ser modificado pelas partes, exceto em raras exceções, como no caso da onerosidade em razão de fato superveniente ou cláusula contratual (CDC – Art 6º São direitos básicos do consumidor: V – a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;) ou na rescisão voluntária. É o que leciona Rogério Marrone de Castro Sampaio,

“O princípio da força obrigatória dos contratos ou das convenções que leva à intangibilidade dos contratos é aquele segundo o qual o contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda). Isto é, uma vez aperfeiçoado o contrato e preenchido os requisitos de validade, as obrigações geradas devem ser fielmente cumpridas.”[4].

Assim, concluído o contrato consumerista, é obrigatória a sua obediência efetiva.

2.3 PRINCÍPIO DA ONEROSIDADE EXCESSIVA

A onerosidade pode ser considerada como o desequilíbrio contratual que causa a desproporcionalidade de prestação entre fornecedor e consumidor. É o que afirma Ricardo Pereira Lira:

“Uma recusa à entrega da prestação tal como prevista originariamente no contrato, em virtude da superveniência de um desequilíbrio entre dita prestação do devedor e a contraprestação incumbente ao credor”.[5]

Segundo a teoria da imprevisão, a onerosidade excessiva caracteriza-se por um fato superveniente à celebração do contrato que torna a obrigação extremamente onerosa para uma das partes, no caso, o consumidor, e o ganho exagerado para outra, no caso, o fornecedor. O art. 51, §1º do CDC traz as hipóteses consideradas vantagem exagerada:

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Quando observadas situações de vantagem exagerada no curso da execução do contrato, o vínculo contratual pode ser resolvido ou revisto. Isso ocorre porque o contrato é celebrado com cláusulas que expressem a vontade das partes, bem como uma situação fática adequada, portanto, se ocorre um fato inesperado que altere profundamente a situação em que se contratou, a base e a motivação desapareceriam, o que só seria resolvido com a revisão do contrato. Entretanto, é importante rever o contrato de forma a investigar se o consumidor contrataria caso pudesse antever tal acontecimento modificador. Caso o consumidor entenda que não contrataria em tais condições, a solução é a resolução.

 

3. CONCLUSÃO

A construção e entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor foi um grande marco para a ordem jurídica nacional, uma vez que regulamentou as relações de consumo e acabou com a confusão que a quantidade de leis esparsas carregava. Além disso, trouxe consigo princípios importantes que criaram base para a aplicação da lei positivada, promovendo sempre a defesa do consumidor, que, como elo mais fraco de uma relação consumerista, não pode permanecer sem que haja uma regulamentação que estabeleça um equilíbrio mínimo entre prestação e contraprestação.

 

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito Civil: Contratos. 2. Ed. p. 20.

LIRA, Ricardo Pereira. A onerosidade excessiva observada nos contratos. Revista de Direito Administrativo, v.159, 1985.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais. 9ª ed.

MARQUES, Cláudia Lima. Planos privados de assistência à saúde. Desnecessidade de opção ao consumidor pelo novo sistema. Opção a depender da conveniência do consumidor. Abusividade da cláusula contratual que permite a resolução do contrato coletivo por escolha do fornecedor. Revista de Direito do Consumidor. N.31, jul./set./99.

GONÇALVES, Carlos Roberto – Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais. 9ª Ed. pág. 79. – Orlando Gomes, Contratos, p. 65; Maria Helena Diniz, Tratado Teórico e prático dos contratos, v. 1.

NOTAS

[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais. 9ª ed. pág. 33.

[2] MARQUES, Cláudia Lima. Planos privados de assistência à saúde. Desnecessidade de opção ao consumidor pelo novo sistema. Opção a depender da conveniência do consumidor. Abusividade da cláusula contratual que permite a resolução do contrato coletivo por escolha do fornecedor. Revista de Direito do Consumidor. N.31, jul./set./99, p.145.

[3] GONÇALVES, Carlos Roberto – Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais. 9ª Ed. pág. 79. – Orlando Gomes, Contratos, p. 65; Maria Helena Diniz, Tratado Teórico e prático dos contratos, v. 1, p.78.

[4] SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito Civil: Contratos. 2. Ed. p. 20.

[5] LIRA, Ricardo Pereira. A onerosidade excessiva observada nos contratos. Revista de Direito Administrativo, v.159, 1985. p.12
Autor

Vanessa Lisandra Santos de Moraes

Aluna do curso de Direito da Universidade de Brasília.

 

Fonte: jus.com.br

Comece a digitar e pressione Enter para pesquisar